EUPHORIA: ADOLESCER NUM MUNDO VAZIO
Adolescer é um processo. A falta de limite impugna o processo real e o transforma em mera experimentação.
“Os adolescentes têm sim problemas com os instintos, no entanto, mais importante do que isso é que eles querem ser alguém em algum lugar” Winnicott
Apesar de ser ambientada no Ensino Médio, Euphoria é recomendada para maiores de 18 anos. E isso acontece porque a série é repleta de “gatilhos” que vão desde o abuso de álcool (e outras drogas) a relacionamentos tóxicos e estupros.
A favorita do EMMY está rodeada de jovens com as mais variadas formas de viver e sentir, em seu núcelo central temos Rue, “A” Zendaya, e a Jules. Um casal homoafetivo que não sabe se o que sente é amor ou dependência. Rue deposita em Jules sua “cura” do vício (em diversas substâncias tóxicas) e Jules, uma trans, não sabe bem o que fazer com esse peso.
Para Winnicott:
O menino ou a menina adolescentes não querem ser entendidos. Essa é uma fase que precisa ser efetivamente vivida e é essencialmente uma fase de descoberta pessoal. Cada indivíduo vê-se engajado numa experiência viva, num problema de existir
Com festas, famílias desajustadas, Euphoria ganha o público por apresentar uma linguagem nada romântica, nada leve, nada clara: é pesada, cruel, nua. Temos um pai “macho”, que despreza seu filho Nate desde o seu nascimento, o transformando em um “monstro filho do pai”, que estupra, chantageia, é cruel com as mulheres. (So saberemos o porque do desprezo e que o Nate é fruto do seu meio na segunda temporada).
Temos a protagonista egoísta, que bate na mãe e faz a irmã presenciar uma overdose. Temos um traficante mais humano e preocupado com ela do que todos os seus amigos (incluindo Jules, que nem percebe que fazem DIAS que Rue não para de usar drogas).
Temos uma garota gorda, que após sofrer gordofobia, se aceita e entra para o mundo do “Only fans”, vendendo seu corpo e acreditando que isso é autoestima, até que a queda chega. Temos jovens perdidos, perdendo aula, vivendo em festas com consentimento de seus pais – e ai está onde eu gostaria de ver Euphoria chegar: a essência – e da escola.
Pra nós, jovens dos 30 e poucos, o gatilho é duplo: já fomos/somos os jovens que procuram em diversas outras coisas as saídas para uma vida complexa, seja no excesso de sono, de álcool, de festas, de compras, etc; e também somos os pais que vão criar os filhos nesse mesmo aspecto.
Euphoria é uma série que condiz com seu nome. Se não está preparado, não assista. Rue diz exatamente o que sente ao usar drogas: é o único lugar que a deixa feliz, fora isso “ela não vai passar muito tempo aqui” e isso pode virar um gatilho perigoso. Fora isso, televisamente falando, a série tem uma fotografia SEM COMPARAÇÕES, personagens complexos, intensos, inteiros. É um roteiro incrivelmente lindo!